LEMBRAR O POETA!
CAFÉ SOCIEDADE EM PENAFIEL.
Hoje no Café Sociedade em Penafiel recordou-se GUERRA JUNQUEIRO o Novelartecine esteve presente e participou e recordou o Poeta.
Foi escrito em 1896… mas é de uma actualidade… este transmontano, se fosse vivo, o que diria hoje?
Texto de Guerra Junqueiro – Pátria – 1896
Um texto de Guerra Junqueiro
“Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]
UM POEMA INTERPRETADO POR AFONSO LEAL.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
CANTA CRISTINA.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.”
Guerra Junqueiro, “Pátria”, 1896.
UM POEMA INTREPRETADO POR BRUNA MEIRELES.
REGRESSO AO LAR.
Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!...
Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh, a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!...
Trago de amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!...
Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!...
Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...
Canta-me cantigas manso, muito manso...
tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!
SONETOS.
“Não é lisonjeando o mau gosto e as péssimas idéias das maiorias, indo atrás delas, tomando por guia a ignorância e a vulgaridade, que se hão-de produzir as idéias, as ciências, as crenças, os sentimentos de que a humanidade contemporânea precisa”
Antero de Quental
O PALÁCIO DA AVENTURA.
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura.
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!
Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d’ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!
À VIRGEM SANTÍSSIMA.
(Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia)
Num sonho todo feito de incerteza,
De noturna e indizível ansiedade
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza...
Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza...
Um místico sofrer... uma ventura
Feita só do perdão, só ternura
E da paz da nossa hora derradeira...
Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa...
E deixa-me sonhar a vida inteira
Antero de Quental.
À BEIRA MAR
Bruna Meireles
Oh! Vem Maria! Sobre a rocha erguida
Em asp'ra costa, sobranceira ao mar,
Vamos sósinhos ver as brancas ondas
Sobre os rochedos, em cachões, saltar!
Ali, bem juntos, ao cahir da tarde,
De mãos trocadas a fallar de amor,
Quero, ao contar-te mil segredos d'alma,
Ver-te nas faces virginal pudôr.
É proprio o sitio, é propicia a hora,
Incerta, dubia entre sombra e luz;
Já descem trevas pelos fundos vales,
Inda algum brilho sobre o mar reluz:
Inda no dorso das inquietas ondas
Dourada fita tremeluz, além;
Mas, já ao longe, da campina os viços,
Envolvem sombras que dos montes vêm.
Gigante immenso de esplendor e brilho,
O sol, um instante, viu-se alli nutar;
Depois cançado, declinando rapido
A lassa fronte repousou no mar.
Semelha ao entrar-lhe pelo seio tumido,
Que de mil fógos inda foi tingir,
Medalha de ouro, que em caldeira immensa,
A pouco e pouco visse alguem fundir.
Em tanto a sombra vae descendo os montes
E envolve as terras mysterioso véo;
Já se divisa, vergonhosa e timida,
Pallida estrella tremular no céo:
Como em teu seio, pura virgem, nasce
Ligeira magoa de fugaz pezar,
Que vae crescendo, e transmudada em lagrimas
Te vem dos olhos nos crystaes brilhar:
Como nos brota dentro de alma, e lavra
A pouco e pouco no veloz crescer,
Algum affecto que em paixão tornado
Nos vem no peito com fulgor arder:
Assim da estrella nasce o brilho, e cresce
A pouco e pouco pelo céo de anil;
Ponto luzente, no começo apenas,
Por fim brilhante, entre saphiras mil.
Soidão callada pela terra alarga-se
Prelúdio augusto da nocturna voz;
Em doce enlevo, scisma o homem statico
Em Deus, comsigo meditando a sós.
Hora saudosa de incerteza mystica,
De lucta harmonica entre sombra e luz.
Por ti nos desce sobre o seio ardente
A santa crença que p'ra Deus conduz!
Hora em que é grato no regaço amigo
De alguma esperança de melhor porvir,
Olvidar magoas de um presente incerto,
E, esp'rando, e crendo, n'essa fé dormir.
Em que amor gera dentro de alma os laços
Que as almas ligam com estreito nó,
E que no arroubo de amoroso rapto
Funde dois sêres n'uma vida só.
E eu tambem quero sentir n'alma os intimos
Celestes gosos que esta hora tem;
Em livro aberto lêr um nome augusto
Que em lettras de ouro vejo escripto além.
E no regaço da mulher amada,
Que é minha esp'rança de melhor porvir,
Quero estas magoas ir depôr e apenas
Guardar um peito para amor sentir.
E antes que as terras illuminem fógos,
Com a luz divina que o Senhor lhe deu;
E antes que morram esses brilhos ultimos
Do sol nas dobras do nocturno véo;
Quero ao soido gemedor das ondas
Casar as magoas d'este immenso amor,
Ardente e puro, como aquelles lumes
Candentes fócos de vivaz fulgor.
Quero nas horas do crepusculo ameno
Sobre o rochedo sobranceiro ao mar,
Aos pés da virgem que escolheu minha alma
Ler-lhe nos olhos confissões sem par.
Figueira da Foz, 1860.
A...
André Ramos
Nome, que não se diz; nome que não se escreve;
Quem vai meter num som o mundo, a imensidão?
O amor, que nome tem? Real, jamais o teve...
Escrever! Pois é pouco um livro - o coração?!...
Nem visão, nem real: amor! Amor somente!
Pois quem sabe o que diz esta palavra - amor -?
Quando deixa cair no peito esta semente,
Diz o que há-de brotar, acaso, o Deus-Senhor
Somente amor... Somente?! E pouco esta palavra?
Duas sílabas Só - em pouco um mundo esta -Loucos!
Mas, quando o amor se expande, e cresce, e lavra,
Bem como incêndio a arder, tão pouco inda será?
Gota, que alaga o mundo! Átomo, e após, colosso!
Mas este nada ou mundo, a mim quem mo aqui pôs!
Foi Deus! De Deus me vem... e a Deus medir não posso:
E imenso o que vem dele... os nadas somos nos.
E o nada, que me abriu no peito e, feito imenso,
O encheu, bem como um vaso, abrindo, encheu a flor,
Há-de alagar teu peito e ser do templo incenso...
Mulher! Hás-de escutar, que eu vou falar d'amor!
Falar d'amor?!... Se ele e como uma essência,
Que nos perfuma, sem se ver de donde...
Se ele e como o sorriso da inocência,
Que inda se ignora e, p'ra sorrir, se esconde...
Se e o sonho das noites vaporoso,
Que anda no ar, sem que possamos vê-lo...
Se e a concha no oceano caprichoso,
Se e das ondas do mar ligeiro velo...
Se e suspiro, que oculto se descerra,
Se escuta, mas se ignora de que banda...
Se e estrela, que manda a luz a terra,
Sem se ver de que paramos a manda...
Se e sonho, que sonhamos acordado...
Suspiro, que soltamos sem senti-lo...
Sopro que vai dum lado a outro lado...
Sopro ou sonho, quem pode repeti-lo?
Falar do amor... do amor! o sempre-mudo!
Se e segredo entre dois, como dize-lo,
Sem divulga-lo, sem que o ouça tudo?
Se e mistério encoberto, como vê-lo?
Novela, 23 de Setembro de 2010.