sexta-feira, 23 de julho de 2010

DVD - 14 " COLISEU".


ASSOCIAÇÃO JOSÉ AFONSO!

     "Eu não sei se isso de recordar o nascimento corresponde a um conteúdo repetido dos sonhos (...). Agora que existe uma imagem persistente, uma luz muito difusa (...), uma luz láctea, uma luz imanente, uma luz muito vital (...) como se fosse um banho de leite que me mergulhasse a mim ou que mergulhasse o Universo.
       Uma larva branca. É a impressão que eu tenho."


    José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos nasceu a 2 de Agosto de 1929, em Aveiro, filho de José Nepomuceno Afonso, juiz, e de Maria das Dores Dantas Cerqueira, professora primária.
    Em 1930 os pais foram para Angola, onde o pai tinha sido colocado como delegado do Procurador da República em Silva Porto. José Afonso permanece em Aveiro, na casa da Fonte das Cinco Bicas, por razões de saúde, confiado à tia Gegé e ao tio Xico, um «republicano anticlerical e anti-sidonista».
Por insistência da mãe, em 1933 Zeca segue para Angola, com três anos e meio, no vapor Mouzinho, acompanhado por um tio advogado em lua-de-mel. Um missionário é a companhia de José Afonso que permanece três anos em Angola, onde inicia os estudos da instrução primária.
Em 1936 regressa a Aveiro, para casa de umas tias pelo lado materno.
Parte em 1937 para Moçambique ao encontro dos pais, com quem vive juntamente com os irmãos João e Mariazinha.
    Regressa a Portugal, em 1938, desta vez para casa do tio Filomeno, presidente da Câmara Municipal de Belmonte. Aqui conclui a quarta classe. O tio, salazarista convicto, fá-lo envergar a farda da Mocidade Portuguesa.
    Vai para Coimbra em 1940 para prosseguir os estudos. É matriculado no Liceu D. João III e instala-se em casa da tia Avrilete, tia paterna que vivia à Av. Dias da Silva, actual nº112. No liceu conhece António Portugal e Luiz Goes. A família parte de Moçambique para Timor, onde o pai vai exercer as funções de juiz. Mariazinha vai com eles, enquanto seu irmão João vem para Portugal. Com a ocupação de Timor pelos Japoneses, José Afonso fica sem notícias dos pais durante três anos, até ao final da II Guerra Mundial, em 1945.
    Nesse mesmo ano começa a cantar serenatas como «bicho», designação da praxe de Coimbra para os estudantes liceais (José Afonso andava no 5.º ano do liceu). Era conhecido como «bicho-cantor», o que lhe permitia não ser «rapado» pelas «trupes». Vida de boémia e fados tradicionais de Coimbra.
    De 1946 a 1948 completa o curso dos liceus, após dois chumbos. Conhece Maria Amália de Oliveira, uma costureira de origem humilde, com quem vem a casar em segredo, por oposição dos pais. Faz viagens com o Orfeão e com a Tuna Académica. Joga futebol na Associação Académica de Coimbra.


    Em 1949, dispensado do exame de aptidão à Universidade, inscreve-se no primeiro ano do curso de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras. Vai a Angola e Moçambique integrado numa comitiva do Orfeão Académico da Universidade de Coimbra.
    Em Janeiro de 1953 nasce-lhe o primeiro filho, José Manuel. Dá explicações e faz revisão no Diário de Coimbra. São editados os seus primeiros discos. Trata-se de dois discos de 78 rotações com fados de Coimbra, editados pela Alvorada, dos quais não existem hoje exemplares. Os dois discos foram gravados no Emissor Regional de Coimbra da Emissora Nacional.
    De 1953 a 1955 cumpre, em Mafra, serviço militar obrigatório. Foi mobilizado para Macau, mas livrou-se por motivos de saúde. Depois é colocado num quartel em Coimbra. Tem grandes dificuldades económicas para sustentar a família, como refere em carta enviada aos pais em Moçambique. A crise conjugal é muito sentida. Após o serviço militar, já com dois filhos, José Manuel e Helena (nascida em 1954), conclui em 1963 o curso na Faculdade de Letras de Coimbra com 11 valores com uma tese sobre Jean-Paul Sartre: «Implicações substancialistas na filosofia sartriana».
    Vai dar aulas num colégio privado em Mangualde de 6 de Janeiro a 30 de Setembro de 1957. Passa a, então, à cndição de estudante voluntário da Universidade, inod com frequência a Coimbra, não só para fazer exames na Faculdade de Letras, mas por continuar a ser bastante solicitado para cantar em serenatas, espectáculos e digressões dos organismos autónomos. Inicia-se o processo de separação e posterior divórcio de Amália (1 de Junho de 1963). José Afonso manterá uma névoa de silêncio em redor desta sua experiência conjugal.
    Em 1956 é editado o seu primeiro EP, intitulado Fados de Coimbra. De 28 de Outubro de 1957 a 22 de Julho de 1958 foi professor provisório nas Escola Industrial e Comercial de Lagos.
    Por dificuldades económicas, em 1958 envia os dois filhos para Moçambique, para junto dos avós. Neste ano fica impressionado com a campanha eleitoral de Humberto Delgado. Digressão de um mês em Angola da Tuna Académica. José Afonso é o vocalista do Conjunto Ligeiro. «Actuámos vestidos com umas largas blusas de cetim, cada uma de sua cor, imitando a orquestra de "mambos" de Perez Prado, o máximo da altura», conta José Niza.


     A 4 de Dezembro de 1957, José Afonso actua em Paris, no Teatro "Champs Elysées" ao lado de Fernado Rolim, voz, António Portugal e David Leandro nas guitarras de Coimbra e Sousa Rafael e Levy Baptista nas violas.
    De 7 de Outubro de 1958 a 18 de Julho de 1959 é professor provisório nas Escola Industrial e Comercial de Faro.
   Em 1959 começa a frequentar colectividades e a cantar regularmente em meios populares.
Nos inícios do ano lectivo de 1959/60 é colocado por 10 dias num colégio em Aljustrel, transitando depois para a Escola Técnica de Alcobaça onde é professor provisório entre 3 de Outubro de 1959 e 30 de Julho de 1960.
   Em 1960 é editado o quarto disco de José Afonso. Trata-se de um EP para a Rapsódia, intitulado Balada do Outono.
   Em Agosto faz nova digressão com o orfeão Académico de Coimbra a Angola. Ainda em 1960 desloca-se a Paris e Genebra, onde grava com Fernado Rolim, voz, António Portugal e David Leandro nas guitarras de Coimbra e Sousa Rafael e Levy Baptista nas violas, onde naquela cidade helvética grava uma serenata para a Eurovisão.
    De 1961 a 1962 segue atentamente a crise estudantil deste último ano. Convive em Faro com Luiza Neto Jorge, António Barahona, António Ramos Rosa e Pité e namora com Zélia, natural da Fuzeta, que será a sua segunda mulher.
   Em 1962 é editado o álbum Coimbra Orfeon of Portugal, pela Monitor, dos Estados Unidos, com «Minha Mãe» e «Balada Aleixo», onde José Afonso rompe definitivamente com o acompanhamento das guitarras. Nestas duas baladas é acompanhado exclusivamente à viola por José Niza e Durval Moreirinhas.
   Realiza digressões pela Suíça e Alemanha onde gravam para a televisão e Suécia onde actua na Gala dos Reais Clubes Suecos, integrado num grupo de fados e guitarras, na companhia de Adriano Correia de Oliveira, José Niza, Jorge Godinho, Durval Moreirinhas e ainda da fadista lisboeta Esmeralda Amoedo.
   Em 1963 é editado outro EP de Baladas de Coimbra. Volta a ser professor provisório nas mesma escola em Faro, de 19 de Outubro de 1962 a 31 de Julho de 1963.


   Em Maio de 1964, José Afonso actua na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, onde se inspira para fazer a canção «Grândola, Vila Morena», que viria a ser no dia 25 de Abril de 1974 a senha do Movimento das Forças Armadas (MFA) para o derrube do regime ditatorial.
   Nesse mesmo ano é editado o EP Cantares de José Afonso, o único para a Valentim de Carvalho.
   Também em 1964 é editado, pela Ofir, o álbum Baladas e Canções, que virá a ser reeditado em CD pela EMI em 1996.
De 1964 a 1967, José Afonso encontra-se em Lourenço Marques com Zélia, onde reencontra os seus dois filho. Nos últimos dois anos, dá aulas na Beira. Aqui musicou Brecht na peça A Excepção e a Regra. Em Moçambique nasce a sua filha Joana (1965).
   Em 1967 regressa a Lisboa esgotado pelo sistema colonial. Deixa o filho mais velho, José Manuel, confiado aos avós em Moçambique. Colocado como professor em Setúbal, sofre uma grave crise de saúde que o leva a ser internado durante 20 dias na Casa de Saúde de Belas. Quando sai da clínica, tinha sido expulso do ensino oficial. É publicado o livro Cantares de José Afonso, pela Nova Realidade. O PCP convida-o a aderir ao partido, mas José Afonso recusa invocando a sua condição de classe. Assina contrato discográfico com a Orfeu, para quem grava mais de 70 por cento da sua obra.
   Expulso do ensino, em 1968 dedica-se a dar explicações e a cantar com mais assiduidade nas colectividades da Margem Sul, onde é nítida a influência do PCP. Pelo Natal, edita o álbum Cantares do Andarilho, com Rui Pato, primeiro disco para a Orfeu. O contrato é sui generis: contra o pagamento de uma mensalidade (15 contos), José Afonso é obrigado a gravar um álbum por ano.
   Em 1969 a Primavera marcelista abre perspectivas de organização ao movimento sindical. José Afonso participa activamente neste movimento, assim como nas acções dos estudantes em Coimbra. Edita o álbum Contos Velhos Rumos Novos e o single «Menina, dos Olhos Tristes» que contém a canção popular «Canta Camarada». Recebe o prémio da Casa da Imprensa para o melhor disco, distinção que repete em 1970 e 1971. Pela primeira vez num disco de José Afonso, aparecem outros instrumentos que não a viola ou a guitarra. Trata-se do último álbum com Rui Pato. Nasce o último filho, o quarto, Pedro.
   Em 1970 é editado o álbum Traz Outro Amigo Também, gravado em Londres, nos estúdios da Pye, o primeiro sem Rui Pato, impedido pela PIDE de viajar. Carlos Correia (Bóris), antigo músico de rock, dos Álamos e do Conjunto Universitário Hi-Fi, substitui Pato. A 21 de Março, por unanimidade, a Casa de Imprensa atribui a José Afonso o Prémio de Honra pela «alta qualidade da sua obra artística como autor e intérprete e pela decisiva influência que exerce em todo o movimento de renovação da música ligeira portuguesa». Participa em Cuba num Festival Internacional de Música Popular.
   Pelo Natal de 1971, é lançado o álbum Cantigas do Maio, gravado perto de Paris, nos estúdios de Herouville, um dos mais caros e afamados da Europa. O álbum é geralmente considerado o melhor disco de José Afonso. A editora Nova Realidade publica o livro Cantar de Novo.
   No ano de 1972 o álbum chama-se Eu Vou Ser Como a Toupeira, gravado em Madrid, nos Estúdios Cellada, com a participação de Benedicto, um cantor galego amigo de Zeca, e com o apoio dos Aguaviva, de Manolo Diaz. O livro, editado pela Paisagem, tem apenas o título de José Afonso.


   Em 1973 José Afonso continua a sua «peregrinação», cantando um pouco em todo o lado. Muitas sessões foram proibidas pela PIDE/DGS. Em Abril é preso e fica 20 dias em Caxias até finais de Maio. Na prisão política, escreve o poema «Era Um Redondo Vocábulo». Pelo Natal, publica o álbum Venham Mais Cinco, gravado em Paris, em que José Mário Branco volta a colaborar musicalmente. No tema-título, participa Janine de Waleyne, solista dos Swingle Singers, o melhor grupo vocal de jazz cantado da altura, na opinião de José Niza.
   A 29 de Março de 1974, o Coliseu, em Lisboa, enche-se para ouvir José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Jorge Letria, Manuel Freire, José Barata Moura, Fernando Tordo e outros, que terminam a sessão com «Grândola, Vila Morena». Militares do MFA estão entre a assistência e escolhem «Grândola» para senha da Revolução. Um mês depois dá-se o 25 de Abril. No dia do espectáculo, a censura avisara a Casa de Imprensa, organizadora do evento, de que eram proibidas as representações de «Venham Mais Cinco», «Menina dos Olhos Tristes», «A Morte Saiu à Rua» e «Gastão Era Perfeito». Curiosamente, a «Grândola» era autorizada. É editado o álbum Coro dos Tribunais, gravado em Londres, novamente na Pye, com arranjos e direcção musical, pela primeira vez, de Fausto. São incluídas as canções brechtianas compostas em Moçambique no período entre 1964 e 1967, «Coro dos Tribunais» e «Eu Marchava de Dia e de Noite (Canta o Comerciante)».
   De 1974 a 1975 envolve-se directamento nos movimentos populares. O PREC (Processo Revolucionário Em Curso) é a sua paixão. Cantou no dia 11 de Março de 1975 no RALIS para os soldados. Estabelece uma colaboração estreita com o movimento revolucionário LUAR, através do seu amigo Camilo Mortágua, dirigente da organização. A LUAR edita o single «Viva o Poder Popular» com «Foi na Cidade do Sado» no lado B. Em Itália, as organizações revolucionárias Lotta Continua, Il Manifesto e Vanguardia Operaria editam o álbum República, gravado em Roma a 30 de Setembro e 1 de Outubro, nos estúdios das Santini Edizioni. As receitas do disco destinavam-se a apoiar a Comissão de Trabalhadores do jornal República ou, caso o jornal fosse extinto, como foi, o Secretariado Provisório das Cooperativas Agrícolas de Alcoentre. Desconhecido em Portugal, o álbum inclui «Para Não Dizer Que Não Falei de Flores» (Geraldo Vandré), «Se os Teus Olhos se Vendessem», «Foi no Sábado Passado», «Canta Camarada», «Eu Hei-de Ir Colher Macela», «O Pão Que Sobra à Riqueza», «Os Vampiros», «Senhora do Almortão», «Letra para Um Hino» e «Ladainha do Arcebispo». Francisco Fanhais colaborou na gravação do disco, juntamente com músicos italianos.
   Em 1976 apoia a candidatura presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho, cérebro do 25 de Abril e ex-comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente), apoio que reedita em 1980. Fase cronista de José Afonso, que publica o álbum Com as Minhas Tamanquinhas. O disco tem a surpreendente participação de Quim Barreiros. É, na opinião de José Niza, «um disco de combate e de denúncia, um grito de alma, um murro na mesa, sincero e exaltado, talvez exagerado se ouvido e lido ao fim de 20 anos, isto é, hoje». É a «ressaca» do PREC.
   O álbum Enquanto Há Força, editado em 1978, de novo com Fausto, representa mais um exemplo da fase cronista do cantor, ligada às suas preocupações anti-colonistas e anti-imperialistas e à sua crítica mordaz à Igreja. Inclui as participações, entre outras, de Guilherme Inês, Carlos Zíngaro, Pedro Caldeira Cabral, Rão Kyao, Luís Duarte, Adriano Correia de Oliveira e Sérgio Godinho.
   Em 1979 é editado o álbum Fura Fura, com a colaboração musical de Júlio Pereira e dos Trovante. O disco inclui oito temas de música para teatro, compostos para as peças Zé do Telhado, de A Barraca, e Guerra do Alecrim e Manjerona, da Comuna. Actua em Bruxelas no Festival da Contra-Eurovisão.
   Em 1981, após dois anos de silêncio, regressa a Coimbra com o seu álbum Fados de Coimbra e Outras Canções. Trata-se da mais bela versão do fado de Coimbra, interpretada por Zeca Afonso em homenagem a seu pai e a Edmundo Bettencourt, a quem o disco é dedicado. Actua em Paris, no Théatre de la Ville.


   Em 1982 começam a conhecer-se os primeiros sintomas da doença do cantor, uma esclerose lateral amiotrófica. Trata-se, aparentemente, de um vírus instalado na espinal medula que, de uma forma progressiva, destrói o tecido muscular e, normalmente, conduz à morte por asfixia. Actua em Brouges no Festival de Printemps.


Entrevista ao Zeca!


   Em 29 de Janeiro de 1983 realiza-se o espectáculo no Coliseu com José Afonso já em dificuldades. Participam Octávio Sérgio, António Sérgio, Lopes de Almeida, Durval Moreirinhas, Rui Pato, Fausto, Júlio Pereira, Guilherme Inês, Rui Castro, Rui Júnior, Sérgio Mestre e Janita Salomé. É publicado o duplo álbum Ao Vivo no Coliseu.
   No Natal desse ano, sai Como Se Fora Seu Filho, um testamento político. Colaboração de Júlio Pereira, Janita Salomé, Fausto e José Mário Branco. Alinhamento: «Papuça», «Utopia», «A Nau de António Faria», «Canção da Paciência», «O País Vai de Carrinho», «Canarinho», «Eu Dizia», «Canção do Medo», «Verdade e Mentira» e «Altos Altentes». Algumas das canções foram escritas para a peça Fernão Mentes? do grupo de teatro A Barraca. Publicado o livro Textos e Canções, com a chancela Assírio e Alvim. Contra a sua vontade, é publicado pelo Foto Sonoro um maxi-single, Zeca em Coimbra, com um espectáculo dado por Zeca no Jardim da Sereia, na Lusa Atenas, a 27 de Maio. A cidade de Coimbra atribui a José Afonso a Medalha de Ouro da cidade. «Obrigado Zeca, volta sempre, a casa é tua», disse-lhe o presidente da Câmara, Mendes Silva. «Não quero converter-me numa instituição, embora me sinta muito comovido e grato pela homenagem», respondeu José Afonso. O Presidente da República, general Ramalho Eanes, atribui a José Afonso a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa-se a preencher o formulário. Em 1994, o Presidente da República Mário Soares tentou de novo condecorar, postumamente, José Afonso com a Ordem da Liberdade, mas a mulher, Zélia, recusou, alegando que se José Afonso não desejou a distinção em vida, também não seria após a sua morte que seria condecorado.
   Em 1983 José Afonso é reintegrado no ensino oficial, tendo sido destacado para dar aulas de História e de Português na Escola Preparatória de Azeitão. Tinha sido expulso em 1968. A doença, agrava-se.
   Em 1985 é editado o último álbum, Galinhas do Mato. José Afonso já não consegue cantar todos os temas, sendo substituído por Luís Represas («Agora»), Helena Vieira («Tu Gitana», Janita Salomé («Moda do Entrudo», «Tarkovsky» e «Alegria da Criação»), José Mário Branco («Década de Salomé», em dueto com Zeca), Né Ladeiras («Benditos») e Catarina e Marta Salomé («Galinhas do Mato»). Arranjos musicais de Júlio Pereira e Fausto. Outras canções do álbum: «Escandinávia Bar-Fuzeta» e «À Proa».
   Em 1986 apoia a candidatura presidencial de Maria de Lourdes Pintassilgo, católica progressista.
   José Afonso morreu no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrófica, diagnosticada em 1982. O funeral realizou-se no dia seguinte, com mais de 30 mil pessoas, da Escola Secundária de S. Julião para o cemitério da Senhora da Piedade, em Setúbal, onde a urna foi depositada às 17h30 na sepultura 1606 do quadro 19. O funeral demorou duas horas a percorrer 1300 metros. Envolvida por um pano vermelho sem qualquer símbolo, como pedira, a urna foi transportada, entre outros, por Sérgio Godinho, Júlio Pereira, José Mário Branco, Luís Cília, Francisco Fanhais. A Transmédia editou o triplo álbum, o primeiro da história discográfica portuguesa, Agora e Sempre, duas semanas depois da morte do cantor. O triplo disco é constituído pelos álbuns Como Se Fora Seu Filho (1983) e Galinhas do Mato (1985) e por um alinhamento diferente de Ao Vivo no Coliseu (1983). A 18 de Novembro é criada a Associação José Afonso com o objectivo de ajudar a realizar as ideias do compositor e intérprete no campo das Artes.

" Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia a dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão, seja a que nível for."


Novelas 23 Julho de 2010







quinta-feira, 22 de julho de 2010

DVD - 21 SOPHIA DE MELLO BRYNER!

LEMBRAR A POETISA



     O Novelartecine teve o prazer de participar no reconhecimento de uma poetisa SOPHIA DE MELLO BRYNER que muita Luz, verticalidade e magia teve,sempre presentes quer na obra poética, quer na importante obra para crianças.

O POEMA

Ana Almeida Santos

   Sophia de Mello Breyner Andresen é, sem sombra de dúvida, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos – um nome que se transformou, em sinónimo de Poesia e de musa da própria poesia.
   Sophia nasceu no Porto, em 1919, no seio de uma família aristocrática. A sua infância e adolescência decorrem entre o Porto e Lisboa, onde cursou Filologia Clássica.
    Após o casamento com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares, fixa-se em Lisboa, passando a dividir a sua actividade entre a poesia e a actividade cívica, tendo sido notória activista contra o regime de Salazar. A sua poesia ergue-se como a voz da liberdade, especialmente em "O Livro Sexto".
   Foi sócia fundadora da "Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos"e a sua intervenção cívica foi uma constante, mesmo após a Revolução de Abril de 1974, tendo sido Deputada à Assembleia Constituinte pelo Partido Socialista.

Canta Ana Ribeiro.

   Profundamente mediterrânica na sua tonalidade, a linguagem poética de Sophia de Mello Breyner denota, para além da sólida cultura clássica da autora e da sua paixão pela cultura grega, a pureza e a transparência da palavra na sua relação da linguagem com as coisas, a luminosidade de um mundo onde intelecto e ritmo se harmonizam na forma melódica, perfeita, do poema.
    Luz, verticalidade e magia estão, aliás, sempre presentes na obra de Sophia, quer na obra poética, quer na importante obra para crianças que, inicialmente destinada aos seus cinco filhos, rapidamente se transformou em clássico da literatura infantil em Portugal, marcando sucessivas gerações de jovens leitores com títulos como "O Rapaz de Bronze", "A Fada Oriana" ou "A Menina do Mar".

Um poema interpretado por André Ramos

   Sophia é ainda tradutora para português de obras de Claudel, Dante, Shakespeare e Eurípedes, tendo sido condecorada pelo governo italiano pela sua tradução de "O Purgatório".

Canta Ana Ribeiro.

Novelas, 22 de Julho de 2010







terça-feira, 20 de julho de 2010

ADÃO BARBOSA RIBEIRO!



O FERREIRO
1937 - 2010
Nunca é demais reafirmar que todos temos memória, temos história, e é em particular nos momentos fulgentes que recordamos aqueles que nos marcaram. Não nascemos hoje, e o que agora somos se deve ao trabalho e ao contributo á sociedade ao longo do tempo.
O fogo na fornalha afastou o mestre Adão da oficina de ferreiro em Novelas, onde durante décadas se criaram utensílios e ferramentas de ferro.
Lembro-me bem e recordo com sentimento profundo, a figura de “Adão o ferreiro” ou Adão Barbosa Ribeiro, que faleceu a 19 de Julho de 2010 e que aproveito para endereçar à família as minhas condolências e prestar esta homenagem.
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Sinais do tempo em Novelas (1976).
Recordar a arte de ferreiro.


Punhos, dedos, braços e ombros hipnotizavam pela força, o tronco que se vergava, e uma força imensa se desprendia de cada gesto.
Insuflava de ar o fole e revolvia as brasas incandescentes na fornalha onde mergulhava os ponteiros e cinzeis. Com a tenaz numa mão, na outra o martelo, de seguida colocava sobre a bigorna onde malhava uma e outra vez, para depois, a água fria tornar em tempestade de vapor o metal rubro.
O ar e a água, conspiravam sobre o ferro e o fole insuflava de vida o fogo e o ponteiro incandescente que rápido se movia da forja para a bigorna. Cuspia numa mão, alcançava o martelo com a outra, e o ferro rubro tombava sobre o corpo maciço e frio da bigorna, então subia o martelo atingindo por momentos o pino, para se precipitar brutal sobre o ponteiro de metal escaldante.
Os sucessivos embates, retiravam da matéria amolecida pelo calor a condição incandescente e voltava novamente para a forja onde uma enorme sanfona de pele, entre duas peças de madeira como duas palmas de mãos gigantes, se aproximavam e comprimiam expulsando o ar, que engenhosamente entrava na forja.
Durante décadas, do forno da bigorna e da sua força, saíram foucinhas, ponteiros, cinzeis, sacholas, machadas e enxadas, ultimamente portões e outros utensílios para a aldeia e freguesias vizinhas, usarem na construção e no campo.
O tempo passava e o senhor Adão tinha tempo, e sentia ritmicamente uma respiração profunda como a de um “Deus Vulcão”, que nos poucos metros quadrados da sua oficina, à beira da estrada junto à igreja de Novelas, conjurava elementos primordiais.
Para ele a oficina, guardava uma aura mitológica e de perpetuidade, no entanto sabia que era uma arte antiga e que mais tarde se tornaria num mito.
Dizia que ás vezes o aço que chegava á suas mãos não conseguia aguentar o tratamento e que sem qualquer piedade, pegava o martelo mais pesado e aplicava golpes até que a peça adquirisse a forma desejada.
Calava-se e malhava mais alguns momentos no ferro que chispava.
Revoltado devolveu o trabalho à fornalha, lançou-se ao fole e esmoreceu.
Eram cinco horas da tarde.
Tinha aceite as marteladas que a vida lhe deu, e ás vezes sentia-se tão frio e sensível, como a água que fazia sofrer o aço.
A única coisa que pedia, é que Deus tentasse da maneira que achasse melhor e pelo tempo que quisesse, mas que não desistisse de lhe dar forças. Fechou o enorme portão de ferro e comentou: - Hoje já não há ninguém a trabalhar no campo, e a técnica evoluiu. Acabou.
Sem gente para se interessar pela terra, o trabalho de ferreiro na freguesia de Novelas, encerrou mais cedo.
Durante algum tempo acompanhou amigos, e encontravam-se com facilidade na taberna a saborear um copo. Mais tarde encontrava-mo-lo a passear na cidade de Penafiel, onde acabaria por falecer.
“A forja e a bigorna morreram”, e com tudo isto hoje deixamos de ver também, “Adão o Ferreiro".
Descanse em Paz.
.........20 de Julho de 2010.........

Novelas



DVD - 46 "FIGURAS DE NOVELAS"

FERNANDO SANTOS - Um amigo do ambiente.
FERNANDO VIEIRA - Um amigo que nunca fez mal a ninguém.



Naquela tarde a Freguesia de Novelas chorou a morte de mais um ente querido. O amigo da natureza, Fernando Santos "Chica" deixou para sempre o mundo dos vivos para aquilo que todos esperam. A Paz, a Felicidade e uma Outra Vida com tudo o que a vida na Terra não lhe proporcionou e na forma como passou os últimos dias entre nós.
Muito próximo a Freguesia de Novelas voltou novamente a chorar desta vez via partir Fernando Vieira – “Careca” Um amigo que nunca fez mal a ninguém.
Já algum tempo que Fernando Santos, procurava nos familiares e amigos um ombro para poder aliviar a angústia que sentia da vida. A sua dor transformada em Alegria caracterizava a sua difícil existência e que esteve também presente nos últimos momentos.
Por outro lado o Fernando Vieira tinha feito uma intervenção cirúrgica recentemente, e notava-se a sua decadência e a sua força em resistir, embora preferisse viver a sua dor sozinho.
Mas o que falhou? Porque é que a vida é tão cruel para algumas pessoas? Qual a força que comanda um destino tão ruim para algumas vidas? Tentar responder a estas perguntas não se afigura uma tarefa fácil. A vida humana e tudo o que a ela diz respeito, é o mais bem guardado mistério que existe.
O Fernando Santos foi uma pessoa sem sorte na vida, sem momentos felizes, sem uma oportunidade de mudar o rumo traçado por um destino tão amargo. Oriundo de uma família honesta e humilde, desde cedo este homem descobriu que o sonho de uma existência sem sobressaltos era apenas uma miragem.
Ambos, mostravam de um forma tão prematura a falta pelo carinho materno que perderam apesar de sempre apoiado pela sua família mas a verdade e que a vida fora com eles madrasta.
Mas porque é que a vida é feita de tanta má sorte e tanta injustiça? O que é que estes homens fizeram de errado para ter uma existência ultimamente tão desarranjada? É assim infelizmente o mundo em que vivemos. Por mais que se pense, que se tente achar uma explicação, nenhuma hipótese faz sentido. Nem a Filosofia consegue ser coerente nas soluções que encontra para alguns fenómenos que fazem parte do universo do Ser Humano.
Mas uma coisa é certa, os dois foram realmente diferentes da maioria de um povo, e morreram pobres, só porque nunca roubaram ninguém.

Aqui fica a sentida homenagem a dois homens que sempre tentaram encontrar a felicidade e só se depararam pela frente barreiras à realização desse desejo.
Apesar da vida lhe ser tão cruel, reconhecemos o seu trabalho inserido no Novelartecine em que Fernando Vieira, desempenhou o papel de Raia com momentos muito alegres e o Fernando Santos deixa-nos boas recordações com o seu conhecimento.

Novelas
Rfbmeireles



O MARINHEIRO



António Luís Meireles da Rocha Barbosa.

Nasceu a 15 de Agosto de 1958 e faz hoje dia 7 de Fevereiro de 2010 um ano que António Luís Meireles da Rocha Barbosa partiu… com 50 anos. “ O Marinheiro” para uns ou “Dallas” para os amigos.
É preciso compreensão para se ter conforto, neste triste momento de perda. Procura-se um alento mesmo insignificante para, tentar entender e aceitar a indesejada separação de um ente querido que partiu.
Quem se acha preparado para suportar a morte ou a dor da perda? Quem se conforma com ela?
Viver tem destas coisas e, por isso mesmo, quase sempre somos colocados à prova. Tudo porque a morte não nos confere alternativa e, em face dela aprendi que só há um caminho. Ou a aceitamos ou a aceitamos.
Trata-se apenas de uma espécie de contrato de adesão, com cláusulas pré-estabelecidas, que não admitem modificação, temos sempre que a elas aderir. É assim, e assim sempre será, coexistindo com duas únicas certezas: uma, a de que um dia nascemos, e a outra, que cedo ou tarde morreremos.
Ele próprio o sabia, o organismo ficava dependente e a falta, provocava um grande mal-estar físico que levava á necessidade, por outro lado, a pressão do grupo, o gosto pelo risco, a fuga a determinados problemas, e finalmente o serviço prestado na experiência com a ciência, acabariam por culminar nas principais causas da sua morte.
Ambos acreditamos na existência de uma outra vida espiritual e com ele partilhei da opinião de que morremos para viver mais. Foi esplêndida a sua participação no filme Raia/Picota crossed lives. A mesma vida que nos concedeu oportunidade e a alegria de com ele conviver, relacionar e compartilhar, nos é retirada da sua presença.
A dor da sua ausência vem sendo sentida. Tudo porque estamos acostumados, com raríssimas excepções, a ver a vida com os olhos do materialismo e não com a visão da alma.

Aqui fica a nossa sentida homenagem
Novelas
Rfbmeireles


 Homenagem a um Amigo
Manuel de Sousa Pinto Barros


Nasceu a 26-06-1934 Faleceu a 13-08-2007


A manhã triste do dia 13 de Agosto de 2007, tornou-se numa manhã cinzenta e a freguesia de Novelas acordou sob a notícia de impacto, quando faltavam poucos minutos paras as 10 horas. Um terrivel acidente tirava a vida a Manuel de Sousa Pinto Barros.
Num país poupado pela violência sem guerras ou fenómenos naturais como terramotos, tsunamis e furacões que devastam sem clemência, a vida deveria valer um pouco mais.
Foi a poucos metros de uma paragem na avenida 5 de Outubro em Valongo, esperava o arranque de um autocarro de passageiros para passar para o outro lado da via. Mal aquele veículo saiu, atravessou sem reparar que se aproximava um camião TIR. Começou por dar uma pequena corrida, as pessoas estavam distraídas, nem deram por ela, mas foi um acidente fatal, o camião passou e este homem ficou no chão em paragem cardio-respiratória. Durante 20 minutos foi tentada a sua reanimação com a chegada da VMER do Hospital de S. João", mas todos os esforços foram em vão.
Manuel de Sousa Pinto Barros, nasceu a 26 de Junho de 1934, era Inspector reformado dos caminhos-de-ferro e um amigo que admirava.
No tempo em que a antiga estação era um local de encontro da população, ele e um conjunto de amigos estiveram solidários contra a sua deslocação, mas a luta que desenvolveram não sortiu efeito.
Um dia, pediu-me insistentemente para colaborar com ele num opúsculo que publicaram e mais tarde Manuel de Sousa Pinto Barros apesar de ter um sentido apurado de ironia, sentia-se desiludido por não conseguirem vencer a contenda.
Tomo a liberdade de transcrever, uma carta por ele endereçada aos Novelenses.

Mensagem de Manuel de Sousa Pinto Barros

“Olho á minha volta e vejo que tudo é belo, então apercebo-me de que pessoalmente sou forçosamente um homem muito feliz.
Sou feliz, porque conheço pessoas fantásticas como você e outras, sou feliz porque partilho sorrisos olhares e conversas de amigos, sou feliz porque ainda estou aqui, junto de pessoas amigas com particularidade na aldeia que me viu nascer.
Neste mundo que me rodeia não há nada, mas mesmo nada a não ser a previdência Divina, que me impeça de pretender ser uma pessoa feliz.
Caminhar, caminhar e concretizar os meus sonhos, sorrir e gritar bem alto ao mundo para dizer o que se sente a todas as pessoas, de que a guerra não leva ninguém a lado nenhum para termos o que queremos ter. Só é preciso que cada pessoa faça a sua luta honestamente. Não é preciso nem é necessário recorrer á maldição das armas, não é preciso recorrer á violência, mas sim corresponder em qualquer circunstância com um simples sorriso e ao mesmo tempo com um gesto de ternura.
Por tal facto insisto dizer que sou feliz, porque através desta mensagem tenho o pressentimento de conseguir colocar todas as pessoas com uma certa dose infinita de felicidade.
Por vezes fico triste e comovido, por saber que no mundo em que vivemos, existem coisas maravilhosas e tão belas, mas que os homens mais poderosos deste planeta só sabem resolver os problemas com a força das armas de guerra, causando a morte de milhões de pessoas e crianças inocentes e o caos da destruição.
Eu me confesso, apesar de ser uma pessoa feliz, sinto ter uma dor sentimental a qual me deixou marcas com cicatrizes e que são difíceis de desaparecer, exemplificando o motivo.
O silêncio vivido por parte das pessoas responsáveis na altura de um passado recente, resultou a que não tiveram força necessária para accionar o travão acerrimamente contra os invasores, para que a centenária estação denominada Penafiel não tivesse o triste desfecho que infelizmente teve. Pois esta situação poderia ser evitada por força de uma acção popular desta aldeia de Novelas, porque o caso tinha pano para mangas e o assunto teria sido resolvido com outras directrizes.
Assim com a mudança da nova estação ferroviária para o deserto, Novelas não merecia ficar mais pobre, porque o seu coração foi selvaticamente estrangulado.
Agora que está tudo resolvido a contendo de muita gente interessada, o meu gesto de revolta para sempre”.

Ass. Manuel de Sousa Pinto Barros

Foi alguém que viveu com a certeza de que a ”guerra e a força das armas não levam a lado nenhum” bem como o seu “gesto de revolta” com a deslocação da antiga estação denominada Penafiel para aquilo que considerava deserto, mas apesar de tudo sentia-se feliz, por conseguir colocar todas as pessoas com uma dose infinita de felicidade.
Contudo, cada povo conduz a sua saga e numa sociedade assim, nem as pessoas com silhueta de gente, conseguem ser indiferentes á sua partida. Quem com ele conviveu não poderá jamais negar a sua impetuosidade em falar da revolta que lhe vinha à mente sobre algumas atitudes marcantes, frente a determinadas situações sérias.
Penso que nestas ocasiões apesar de pouco, muito haveria para ser dito, e esta frase demonstra com clareza um pouco da sua vida:
“Sou realmente feliz. Manuel de Sousa Pinto Barros”.
Contrariando o texto, acostumamo-nos tanto com a maldade que já não temos forças, para discordar com a violência. A vida vale muito mais!
Que bom seria se todos conseguissem ver… mas ignoramos por preconceito, por indiferença, frieza, por não querermos ver – a cegueira consciente.

Saudades.
Novelas
Rfbmeireles
Adão Barbosa Ribeiro
1937 - 2010



Nunca é demais reafirmar que todos temos memória, temos história, e é em particular nos momentos fulgentes que recordamos aqueles que nos marcaram. Não nascemos hoje, e o que agora somos se deve ao trabalho e ao contributo á sociedade ao longo do tempo.
O fogo na fornalha afastou o mestre Adão da oficina de ferreiro em Novelas, onde durante décadas se criaram utensílios e ferramentas de ferro.
Lembro-me bem e recordo com sentimento profundo, a figura de “Adão o ferreiro” ou Adão Barbosa Ribeiro, que faleceu a 19 de Julho de 2010 e que aproveito para endereçar à família as minhas condolências e prestar esta homenagem.
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Sinais do tempo em Novelas (1976).
Recordar a arte de ferreiro.


Punhos, dedos, braços e ombros hipnotizavam pela força, o tronco que se vergava, e uma força imensa se desprendia de cada gesto.
Insuflava de ar o fole e revolvia as brasas incandescentes na fornalha onde mergulhava os ponteiros e cinzeis. Com a tenaz numa mão, na outra o martelo, de seguida colocava sobre a bigorna onde malhava uma e outra vez, para depois, a água fria tornar em tempestade de vapor o metal rubro.
O ar e a água, conspiravam sobre o ferro e o fole insuflava de vida o fogo e o ponteiro incandescente que rápido se movia da forja para a bigorna. Cuspia numa mão, alcançava o martelo com a outra, e o ferro rubro tombava sobre o corpo maciço e frio da bigorna, então subia o martelo atingindo por momentos o pino, para se precipitar brutal sobre o ponteiro de metal escaldante.
Os sucessivos embates, retiravam da matéria amolecida pelo calor a condição incandescente e voltava novamente para a forja onde uma enorme sanfona de pele, entre duas peças de madeira como duas palmas de mãos gigantes, se aproximavam e comprimiam expulsando o ar, que engenhosamente entrava na forja.
Durante décadas, do forno da bigorna e da sua força, saíram foucinhas, ponteiros, cinzeis, sacholas, machadas e enxadas, ultimamente portões e outros utensílios para a aldeia e freguesias vizinhas, usarem na construção e no campo.
O tempo passava e o senhor Adão tinha tempo, e sentia ritmicamente uma respiração profunda como a de um “Deus Vulcão”, que nos poucos metros quadrados da sua oficina, à beira da estrada junto à igreja de Novelas, conjurava elementos primordiais.
Para ele a oficina, guardava uma aura mitológica e de perpetuidade, no entanto sabia que era uma arte antiga e que mais tarde se tornaria num mito.
Dizia que ás vezes o aço que chegava á suas mãos não conseguia aguentar o tratamento e que sem qualquer piedade, pegava o martelo mais pesado e aplicava golpes até que a peça adquirisse a forma desejada.
Calava-se e malhava mais alguns momentos no ferro que chispava.
Revoltado devolveu o trabalho à fornalha, lançou-se ao fole e esmoreceu.
Eram cinco horas da tarde.
Tinha aceite as marteladas que a vida lhe deu, e ás vezes sentia-se tão frio e sensível, como a água que fazia sofrer o aço.
A única coisa que pedia, é que Deus tentasse da maneira que achasse melhor e pelo tempo que quisesse, mas que não desistisse de lhe dar forças. Fechou o enorme portão de ferro e comentou: - Hoje já não há ninguém a trabalhar no campo, e a técnica evoluiu. Acabou.
Sem gente para se interessar pela terra, o trabalho de ferreiro na freguesia de Novelas, encerrou mais cedo.
Durante algum tempo acompanhou amigos, e encontravam-se com facilidade na taberna a saborear um copo. Mais tarde encontrava-mo-lo a passear na cidade de Penafiel, onde acabaria por falecer.
“A forja e a bigorna morreram”, e com tudo isto hoje deixamos de ver também, “Adão o Ferreiro".
Descanse em Paz.

.........20 de Julho de 2010.........
Rfbmeireles