O FERREIRO
1937 - 2010
O fogo na fornalha afastou o mestre Adão da oficina de ferreiro em Novelas, onde durante décadas se criaram utensílios e ferramentas de ferro.
Lembro-me bem e recordo com sentimento profundo, a figura de “Adão o ferreiro” ou Adão Barbosa Ribeiro, que faleceu a 19 de Julho de 2010 e que aproveito para endereçar à família as minhas condolências e prestar esta homenagem.
Recordar a arte de ferreiro.
Punhos, dedos, braços e ombros hipnotizavam pela força, o tronco que se vergava, e uma força imensa se desprendia de cada gesto.
Insuflava de ar o fole e revolvia as brasas incandescentes na fornalha onde mergulhava os ponteiros e cinzeis. Com a tenaz numa mão, na outra o martelo, de seguida colocava sobre a bigorna onde malhava uma e outra vez, para depois, a água fria tornar em tempestade de vapor o metal rubro.
O ar e a água, conspiravam sobre o ferro e o fole insuflava de vida o fogo e o ponteiro incandescente que rápido se movia da forja para a bigorna. Cuspia numa mão, alcançava o martelo com a outra, e o ferro rubro tombava sobre o corpo maciço e frio da bigorna, então subia o martelo atingindo por momentos o pino, para se precipitar brutal sobre o ponteiro de metal escaldante.
Os sucessivos embates, retiravam da matéria amolecida pelo calor a condição incandescente e voltava novamente para a forja onde uma enorme sanfona de pele, entre duas peças de madeira como duas palmas de mãos gigantes, se aproximavam e comprimiam expulsando o ar, que engenhosamente entrava na forja.
Durante décadas, do forno da bigorna e da sua força, saíram foucinhas, ponteiros, cinzeis, sacholas, machadas e enxadas, ultimamente portões e outros utensílios para a aldeia e freguesias vizinhas, usarem na construção e no campo.
O tempo passava e o senhor Adão tinha tempo, e sentia ritmicamente uma respiração profunda como a de um “Deus Vulcão”, que nos poucos metros quadrados da sua oficina, à beira da estrada junto à igreja de Novelas, conjurava elementos primordiais.
Para ele a oficina, guardava uma aura mitológica e de perpetuidade, no entanto sabia que era uma arte antiga e que mais tarde se tornaria num mito.
Dizia que ás vezes o aço que chegava á suas mãos não conseguia aguentar o tratamento e que sem qualquer piedade, pegava o martelo mais pesado e aplicava golpes até que a peça adquirisse a forma desejada.
Calava-se e malhava mais alguns momentos no ferro que chispava.
Revoltado devolveu o trabalho à fornalha, lançou-se ao fole e esmoreceu.
Eram cinco horas da tarde.
Tinha aceite as marteladas que a vida lhe deu, e ás vezes sentia-se tão frio e sensível, como a água que fazia sofrer o aço.
A única coisa que pedia, é que Deus tentasse da maneira que achasse melhor e pelo tempo que quisesse, mas que não desistisse de lhe dar forças. Fechou o enorme portão de ferro e comentou: - Hoje já não há ninguém a trabalhar no campo, e a técnica evoluiu. Acabou.
Sem gente para se interessar pela terra, o trabalho de ferreiro na freguesia de Novelas, encerrou mais cedo.
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